Revista Novos Dialogos Suburbanos Revista Novos Dialogos Suburbanos

Vol. 1, Nº2/ 2023

2 Espacialidades suburbanas - Vol. 1 Nº2/ outubro 2023

Crônica

Bangu tem também a sua história

Lígia Castanheira Magalhães

A memória e seu impacto na construção da identidade suburbana banguense

A memória, ao mesmo tempo em que nos modela, é também por nós modelada. Isso resume perfeitamente a dialética da memória e da identidade que se conjugam, se nutrem mutuamente, apoiam -se para produzir uma trajetória de vida, uma história, um mito, uma narrativa.
Quando pensado o espaço da cidade, a memória individual e a coletiva são manifestações que o sustentam de forma não linear, atrelada. A compreensão da memória na coletividade produz coesão entre os sujeitos, de diferentes grupos e classes sociais, no espaço em que vivem. No entanto, é importante diferenciar a memória coletiva de uma memória compartilhada de forma literal, tendo em vista que os mesmos grupos podem compartilhar os mesmos marcos memoriais, mas não as mesmas representações do passado. Dessa maneira, é considerado que tanto o espaço quanto a memória são sistemas abertos, mas que mediam as experiências dos sujeitos com o tempo e seu espaço atual.

O ambiente construído tem papel fundamental na construção da identidade dos lugares, que se refere ao passado ambiental do sujeito, que se dá a partir de vivências e memórias em diferentes lugares ao decorrer da vida. Essas memórias são capazes de atribuir sentimento aos lugares, o que resulta diferentes criações do espaço construído e da cidade. Dessa maneira, a relação do sujeito individual ou do coletivo com o espaço é formada por significados que vão além da experiência direta funcional, mas também no significado que é atribuído ao ambiente construído pela cultura e pelas relações sociais, usos e apropriações. Nos subúrbios cariocas a identidade suburbana se faz presente não só nos aspectos físicos, mas também nas relações e usos que são dados ao ambiente construído, dotados de significados e simbolismos intrínsecos ao ato de sentir e experimentar o espaço.

No contexto urbano do bairro de Bangu, na Zona Oeste carioca, marcado historicamente pela sua urbanização a partir da industrialização fluminense, a simbolização de sua memória e a caracterização de sua identidade foi principalmente influenciada pela configuração que os arranjos e rearranjos econômicos e culturais do bairro formaram ao longo dos anos. O importante passado fabril e a lembrança da fábrica transformadora da paisagem e provedora de moradia, infraestrutura e saneamento trazem sentimentos saudosistas, principalmente aos mais antigos que fazem questão de destacar a importância que a Companhia Progresso Industrial na memória banguense teve em suas vidas. Entre os mais novos, a memória mais forte é a do futebol, ícone da história do bairro, que para os mais próximos do esporte desempenha a função de resgatar a memória dos tempos de ouro do Bangu Atlético Clube.
A existência de um museu de memória do bairro, gerenciado de maneira autônoma pelos próprios moradores, é um símbolo de resistência à manutenção de um passado tão diferente do que é representado atualmente nas ruas dos bairros, que, mesmo carregando nomes que fazem alusão a símbolos e etapas fabris da época, possuem configurações bem diferentes das de antigamente.

A história de Bangu insiste em ser contada cotidianamente, pelas experiências de seus habitantes (de maneira às vezes não tão direta como em uma simples caminhada pela Rua dos Estampadores), pelas lembranças materializadas (como em uma visita ao Museu de Bangu ou ao Shopping) e principalmente pelo sentimento de identidade (com o orgulho suburbano em vestir uma camisa vermelha e branca).
A construção da identidade banguense, além de ser territorial, é cognitiva, emocional, simbólica. Vem do sentimento de pertencimento com o lugar e sua comunidade, de se perceber uma parte de um todo. De se sentir em casa mesmo que na calçada em frente com a sua cadeirinha de praia . De comer um salgado no Marco Geleia a qualquer hora do dia e entrar no Bangu Shopping para aproveitar o ar condicionado em qualquer estação do ano. Vem da emoção de sentir o chão do Moça Bonita tremendo em dia de jogo; depois comemorar a vitória ou chorar a derrota do Bangu na Praça da Guilherme . É conseguir enxergar a chaminé da antiga Fábrica a partir de qualquer lugar do bairro e saber que se está em casa.

LÍGIA CASTANHEIRA MAGALHÃES é Arquiteta e Urbanista graduada pela UFRRJ e mestranda pelo PROARQ/UFRJ na linha de pesquisa “Paisagem, Cultura e Ambiente Construído”. Vinculada ao grupo de pesquisa Arquitetura, Subjetividade e Cultura (LASC), possui interesse e experiência na área de ambiências suburbanas, morfologia da paisagem, memória e cultura.