Revista Novos Dialogos Suburbanos Revista Novos Dialogos Suburbanos

2023 • ano 1 • nº 3

3 A educação nos subúrbios - Vol. 1 Nº 3 / dezembro 2023

Artigo de opinião

Educação voltada à preservação do patrimônio: um olhar sobre a arquitetura dos subúrbios

Geanine Souza

A demolição do conjunto arquitetônico do Largo do Campinho foi uma perda irreparável. Este grupamento de edificações construídas em 1914 teve seu tombamento decretado em 2004, todavia esta proteção foi retirada em 2010 em razão da construção do BRT – Transcarioca. Tal acontecimento foi prova cabal de que o tombamento por si só nem sempre é o suficiente para a salvaguarda de bens de alta relevância histórico-cultural.

Na época, houve mobilizações contra a demolição daqueles prédios tão representativos da belle époque carioca. Os esforços foram louváveis, mas não evitaram o pior. Os edifícios desapareceram.  Situações como essa deixam claro o quão é importante estabelecer uma conexão mais forte entre a comunidade e sua herança arquitetônica.

A Educação voltada à preservação do patrimônio tem papel fundamental na criação deste elo, pois ela, em razão de seu caráter metódico, tem o poder de mobilizar cidadãos e cidadãs de modo mais efetivo rumo ao entendimento de que somos fruto de processos históricos dentro dos quais somos ao mesmo tempo atores e espectadores.

A própria escola é um bom começo para esta experiência, haja vista a arquitetura escolar ser uma das que mais contribuem para a aproximação entre a população e grandes tendências arquitetônicas como, por exemplo, o Modernismo, o Neocolonial, o Ecletismo e o Art Déco.

Essas informações, que na maioria dos casos são pouco exploradas pela comunidade escolar, influenciam na propagação de estilemas e referências visuais que no contato com a arquitetura popular criam novos modos de interação com o espaço.

Neste sentido, é bem provável que o fluir das formas que bailam no painel na fachada da Escola Grécia tenham inspirado de algum modo aqueles que circulam pelo local. O vigoroso mural, bem como o projeto arquitetônico da escola, têm a assinatura de Rosthan de Faria (1909 – 1969), arquiteto responsável por vários projetos modernistas nas escolas do Rio.

Escola Grécia, Villa da Penha – fonte: google maps

O Modernismo ampliou o repertório estético das massas, estimulando uma nova percepção do espaço, contudo seu caráter libertário não era bem aceito por todos. Neste caso, o Art Déco, com sua modernidade ligada à indústria e ao trabalho, foi a opção.

A Escola Municipal Getúlio Vargas, construída em 1935, talvez tenha sido o primeiro contato com as linhas déco para muitas pessoas. Com seu imponente corpo cilíndrico avançado, ela é uma referência do Art Déco Náutico. Vale salientar que na Era Vargas o Art Déco foi utilizado como instrumento nos programas de unificação nacional.

Escola Municipal Getúlio Vargas, Bangu – fonte: google maps

O contrário também acontece. A arquitetura oficial por vezes recorre à arquitetura popular para solucionar problemas técnicos. É o que se vê na Escola Municipal Pio X.  Lá foram usados os cobogós, herança da arquitetura islâmica, para regular a temperatura ambiente.

Escola Municipal Pio X, Tanque – fonte: google maps

O reconhecimento desta troca entre a arquitetura acadêmica e não acadêmica é necessário, uma vez que a absorção de informações estéticas sem uma apreciação crítica é a condição ideal para que se instalem práticas gentrificadoras. A gentrificação passa a raso as vivências, saberes e locais de pertencimento, nos tornando reféns de um padrão estético aceito passivamente como indicador de progresso.

Do ponto de vista prático, a educação voltada à preservação do patrimônio teria muito a contribuir no sentido de sensibilizar os educandos em relação a uma visão mais profunda do aparato arquitetônico que os cerca. Neste olhar, não caberiam classificações estilísticas estáticas, afinal os estilos materializam no espaço complexas propostas políticas que incidem diretamente sobre a vida de todos.

Note-se o período eclético. Ele é marcado pela entrada dos valores democráticos em uma sociedade recém-saída da monarquia e do sistema escravagista. Todavia, ao que parece, essa transição não ocorreu como deveria, já que pari passu à construção das sofisticadas casas de porão elevado, outras eram erguidas sem qualquer infraestrutura. Deste modo, não se pode falar em arquitetura eclética sem falar na gênese das favelas.

Neste diapasão, o Neocolonial tem muito a mostrar sobre a sociedade brasileira. Nos anos 1930 ele deu corpo à relação do Brasil com a política norte-americana da Boa Vizinhança. Particularmente no Rio, onde ele é frequente nas casas de projeto padronizado da Era Vargas, pouco se comenta que as simpáticas “casinhas de vó” faziam parte de um conjunto de ações que visava “acabar com a promiscuidade macabra das favelas”. A expressão utilizada pelo interventor Henrique Dodsworth sintetiza muito bem a visão preconceituosa que as autoridades governamentais tinham do modo de vida dos menos favorecidos.

Um outro ponto sério a ser trazido ao ambiente educacional refere-se ao patrimônio arquitetônico religioso. Os subúrbios contam com obras consagradas como a Igreja da Penha, mas é urgente voltarmos nossos olhares para expressões arquitetônicas menos conhecidas tais como o Templo de Oxóssi em Pilares. A instituição religiosa é uma experiência arquitetônica rara, por se tratar de uma das poucas que traz elementos sugestivos da estética africana em sua estrutura arquitetônica. No caso, a platibanda recortada com as luminárias.

Templo de Oxóssi, Pilares – fonte: google maps

O usual nos locais de cultos de religiões de matriz africana é que se faça a distinção entre o espaço sagrado e o profano por meio da utilização de quartinhas, faixas e outros elementos que não interferem diretamente no corpo da edificação. Tal prática se deve à intolerância ostensiva que desestimula a exploração de uma gramática arquitetônica própria do mesmo modo que possuem as religiões mais sintonizadas com as estruturas de poder.

As ideias aqui apresentadas tiveram por objetivo incentivar aqueles que militam na área educacional a verem no patrimônio arquitetônico suburbano uma ferramenta de luta por uma construção coletiva dos subúrbios enquanto potência.  A paisagem arquitetônica suburbana, que tantas vezes se perde na banalidade do dia a dia, clama por um posicionamento mais efetivo da sociedade rumo à sua preservação.

GEANINE SOUZA é graduada em Arte-Educação/Artes Visuais pela Universidade de Brasília e Especialista em Linguagens Artística e Educação pela Faculdades de Artes Dulcina de Moraes FA FBT.