3 A educação nos subúrbios - Vol. 1 Nº 3 / dezembro 2023
Crônica suburbana
18h30 de uma segunda-feira. Foi o dia e a hora escolhida pelo casal de aposentados para conhecer o restaurante mexicano do bairro, que abrira há pouco tempo. Pequeno, colorido, jovens funcionários desatentos.
Enquanto uma menina passava descuidadamente uma vassoura no chão, restaurante vazio, o casal, sentado à mesa grande, estava absorto.
Não eram mais os olhares entrecortados e furtivos da juventude, quando se conheceram na escola. Ele, professor de Geografia, ela, Matemática.
O encanto físico-geográfico de um e a praticidade cartesiana de outro deram lugar a certo tédio, retirado pelas telas. Olhavam cada qual, avidamente, seus celulares. Naquelas telas, mundos diferentes, porém mais interessantes que a realidade. Acreditam que na sala de aula jamais permitiriam ou incentivariam, são de uma geração nada digital, mas, clandestinamente, consumiam a tal minitv, rádio, telefone e outras “coisitas” mais.
Certo dia, Ana resolve falar sua vontade:
– Júlio, quero falar com você sobre uma decisão. Mas tomá-la, depende de você.
– Como assim?
– Quero voltar pra sala de aula. Essa vida está um tédio e a cachaça que tomamos traz um vício dos diabos! Voltarei. Não quer voltar também?
– Que maluquice é essa agora? Trabalhou a vida inteira! Enfrentar essa geração de gaiatos, acabar com a sua paz… Olha, eu nem quero pensar nisso!
– Mas só volto se você for me buscar.
– Quê? Todos os dias?
– Não, eu dou um jeito de dar poucas aulas e agora serão para escrita.
– Mas você enlouqueceu de vez! Tua área é Matemática e agora que deu de escrever esses seus romances já quer dar aula? Tens que fazer algum curso, ora!
– Mas eu faço, estou disposta a me sentir útil e viva novamente.
– Ora, você está é arrumando sarna pra se coçar!
– Mas, vá, se não atrapalha meu futebol e outras rotinas, te busco. Tem muito ladrãozinho querendo roubar senhoras, a qualquer hora.
E lá se foi Ana, satisfeita, buscar cursos. E agora era diferente: queria também dar aula para jovens e adultos, afinal, quem vê o sacrifício dos trabalhadores deste Brasil, chegando tarde da noite nos subúrbios e baixadas, reclamando, mesmo no silêncio de seus cansaços, algo que lhes seja ofertado?
No grupo do WhatsApp, no tal mexicano, Ana já dava mais atenção aos estudantes com suas dúvidas e fofocas. Júlio, seguia entretido em seus vídeos, nada que chegasse aos aplicativos famosos e velozes, seu tempo não chegara a tanto. Tinha lá suas conversinhas salientes e aprendeu sobre likes e outros passatempos, até que, de tanto observar a empolgação de Ana, sentiu-se mais atraído por tal emoção. Ele também queria sentir-se assim.
Em breve, aquele aposentado no tédio estaria nas rodas de conversa de bairro, organizando coletivos, falando ao microfone e revivendo seus tempos de geógrafo.
Com o passar do tempo, esqueceram-se. Mas reencontraram sentidos.
Não mais os corpos ocupando o menor espaço.
Dentro ou fora da sala de aula, eram professores. Isso sim, jamais morreu…
Encantado.
RJ, primavera de 2023.