1 Cultura e sociabilidades - Vol. 1 Nº 1/ agosto 2023
Sem Bobear- Percorrendo os espaços do Méier
Juntando-se a uma série de movimentos propostos pelo coletivo Engenhos de Histórias, o livro “Um grande Méier de Histórias”, lançado no início de 2023, reforça o conjunto de publicações sobre os subúrbios cariocas. Tendo como autores os integrantes do grupo coletivo (estudiosos e moradores na região), a coletânea percorre a história do bairro, exaltando sua centralidade e suas personagens locais, deixando que o leitor se aproxime do cotidiano “meieriense”.
Desde que saiu da editora, o livro vem percorrendo espaços do bairro, com destaque para a livraria Belle Époque, conhecida por entusiastas cariocas da literatura e por movimentos culturais. A circulação por esses lugares assume papel essencial para a obra, que evidencia os diversos olhares sobre o bairro, com textos de estilos, tamanhos e propostas múltiplas, assim como seu quase irmão – “Subúrbios: espaços plurais e múltiplos do Rio de Janeiro” – foi lançado quase ao mesmo tempo. A exaltação dita o ritmo, sem que dados históricos e informações sobre projetos artísticos, nascidos no e para o bairro, deixem de nos chamar à atenção. Dessa forma, experenciamos uma narrativa afetuosa e reveladora.
Após o prefácio de Marcos Guimarães Sanches, que evidencia a construção coletiva da obra, o primeiro ensaio, de Rafael Mattoso, contextualiza as mudanças ocorridas no território da Zona Norte e fala sobre a relação de Lima Barreto com o bairro, de uma maneira a agregar importantes nomes da cultura contemporânea local, como Pedro Rajão, responsável pelos projetos: Leão Etíope do Méier e Negro Muro – projeto que teve nascimento no Meier, na escola Nícia Macieira. Todas essas relações que, aqui, podem parecer distantes, mas que Mattoso amarra de forma não linear – brincando com o tempo e com o território – trazem ao leitor a importância cultural da região.
Composto, também, por uma série de imagens de arquivo, o livro segue para o texto de Rachel Gomes de Lima, enfatizando o nascimento do bairro e de uma época, na qual o Rio de Janeiro era dividido em Sesmarias – resquícios de um passado colonial. Já Pedro Rajão (sim, o artista que é citado ao longo do livro, diretamente, e através de sua obra), aposta na história da própria família, do comércio e do Leão Etíope. “O Leão Etíope funciona como um elo do Méier com ele mesmo.”, escreve. Não por acaso, o Leão está no nome dos textos que se seguem: Histórias do Leão do Meyer, de Nivaldo Rodrigues Carneiro, artista plástico responsável pela icônica escultura localizada na Rua Dias da Cruz e Leão Epifânico, de Paloma Maulaz. Instalado pela instituição Lions Club, em comemoração aos seus 50 anos, a estátua ganhou vida própria, virou o leão do Méier em uma virada poética, tipicamente carioca.
Por esses caminhos poéticos é que Maulaz e Elaine Morgado enveredam em uma prosa suburbana. Maulaz entende o Méier como um “nordeste suburbano” que emite calor, mas também conexões afetivas efêmeras ou duradouras. Do garçom do boteco até as relações estabelecidas entre os coletivos políticos-culturais. Nesse sentido, as memórias sonoras de Luiz Espírito Santo e da dupla Fábio de Jesus de Carvalho, Flavio Braga Mota e Henrique Garcia Pinto permitem com que vislumbremos os percursos musicais do bairro. Do rock ao samba- encabeçado por João Nogueira.
Seja na apresentação, seja no texto há o cuidado de garantir as origens suburbanas dos autores – ou um subúrbio que tomou conta de seus corpos posteriormente. Existe, então, um convite dos mesmos para que habitemos suas recordações de infância bastante particulares por onde figuram as narrativas de Didi Nogueira, Claúdio Jorge e Valéria Pereira da Silva, por exemplo.
Essa sensação de pertencimento é o trunfo do livro.
Perceber beleza nos trajetos habituais, nas fachadas, nos pedestres. Simultaneamente, somos apresentados à um mapeamento histórico como é o caso dos textos de Paulo Jorge G. da Silva, Carolina Ribeiro Zettermann ou ambos, como podemos perceber na escrita de Flávia Figueiredo ou Henrique Garcia Pinto.
Mesclando jornalistas, cientistas sociais, arquitetos, historiadores e artistas, o conjunto ganha em diversidade e possibilidades de olhar para o bairro sob diferentes prismas. Embebido por questões profusas e urgentes, como a valorização da cultura afro-brasileira, através dos ensaios de Henrique Garcia Pinto, Flávia Souza e Ivan Karu – os dois últimos fundadores do grupo Afrolaje (projeto de música e pesquisa no Grande Méier), Um grande Méier de Histórias: Heranças, Caminhos e Lembranças dos Subúrbios Cariocas surge como vontade de autoconhecimento e identidade, tal qual o coletivo do qual é oriundo , como destaca a apresentação do mesmo, mas oferece leitura prazerosa e instrutiva para àqueles que ainda não se encantaram com os percursos da Rua Dias da Cruz, com os espetáculos do Imperator e com os debates literários da Belle Époque.
O convite está posto e, com ele, a certeza de um agradável passeio.