Revista Novos Dialogos Suburbanos Revista Novos Dialogos Suburbanos

2024 • ano 1 • nº 4

4 Patrimônios suburbanos - Vol. 1 Nº 4 / fevereiro 2024

Artigo convidado

Subúrbios também foram e são, ainda, modernos

Antônio Pedral

O movimento moderno teve boa receptividade em nosso país, embora com certa resistência inicial quanto à aplicação dos conceitos utilizados em projeto e nas obras de arquitetura e urbanismo. Destacaram-se entre seus conceitos, questões como as novas formas de trabalhar com as aberturas e fechamentos – paredes e janelas, bem como a adoção da planta livre; o apoio e a relação da obra com o solo, ou seja a separação da construção do terreno, deixando-o ao livre fluir das pessoas – os denominados pilotis; ou a adoção do telhado jardim, dos brises soleils para proteção térmica e de insolação das fachadas, ou ainda o uso dos panos livres em vidro. Além da utilização extensiva de maiores vãos entre pilares de sustentação, técnica que para muitos arquitetos significou uma maior liberdade criativa no campo da projetação arquitetônica. Muitos desses princípios se deveram a introdução de novos materiais de construção, e a evoluções tecnológicas decorrentes do acelerado processo de industrialização da primeira metade do século 20. A crescente aceitação da arquitetura modernista em nosso país teve sua maior expressão com a construção da nova capital federal, Brasília, nos anos 1960.

Apesar do crescimento dos subúrbios a norte e a sul do centro histórico já viessem ocorrendo anteriormente, foi só a partir da implantação das primeiras linhas férreas, depois de 1858, para o transporte de cargas inicialmente, e com o transporte de passageiros depois de 1870, que as manchas de malha urbana começaram a se expandir, ampliando seu perímetro urbano. O transporte por trilhos introduziu um meio de transporte com regularidade e velocidade, reduzindo os tempos de deslocamento.

Fernandes (2011) e Soares (1966) assinalaram os diferentes processos de segregação dos subúrbios cariocas ao longo dos anos. Seja com o denominado “Conceito carioca de subúrbio” (Soares) ou o “Rapto ideológico da palavra subúrbio” (Fernandes). Ambos apontam diferentes processos de apagamento e segregação espacial e social dos bairros suburbanos. Apagamento que não impediu que os bairros de subúrbios tenham sido “modernos”. Tomemos como exemplo a Torre Eiffel, pavilhão carnavalesco construído para o desfile do carnaval em Madureira no ano de 1924. Serviu de modelo para o quadro da pintora modernista Tarcila do Amaral, nos remetendo às primeiras manifestações de “arte moderna” no Brasil, vanguarda nas artes plásticas. Subúrbios foram, então, tema e inspiração para a pintora.

Fig. 1. Foto em jornal da Torre Eiffel de Madureira e a pintura de Tarsila do Amaral.

No campo das obras de arquitetura, por exemplo, destaco a inauguração e o lançamento do catálogo da exposição “Brazil Buildings”, realizada no MOMA de Nova York no ano de 1943, de Philip Goodwin. Livro que tem artigos sobre as obras de vanguarda dos arquitetos brasileiros que abraçaram o movimento moderno, nos anos 1930 e 1940. Reconhecimento de que o Brasil produzia o que de mais vanguarda era projetado e construído em pleno conflito mundial. Destaca-se o conjunto habitacional de Realengo, construído pelo então IAPI.

 

Fig. 2. Reprodução das páginas do livro/catálogo Brazil Builds, Conjunto Habitacional de Realengo. Fonte: Moma, N.Y.

Consultando diferentes fontes de arquitetura do Rio de Janeiro, listei trinta e nove (39) obras de arquitetura, paisagismo e urbanização que se vinculam com o movimento da arquitetura moderna na cidade, situadas em bairros de subúrbios. Podemos considerar que este número de obras é significativo considerando qualquer período da história recente. Destacarei algumas por sua singeleza e qualidade arquitetônica, reconhecidas por pesquisadores da arquitetura, e não necessariamente em uma ordem cronológica.

Primeira obra é o Teatro Armando Gonzaga, em Marechal Hermes, projeto de Affonso Eduardo Reidy, do ano de 1950. Originalmente foi denominado de Teatro Popular de Marechal Hermes. É uma obra de arquitetura com um refinamento de detalhes e destaca-se a volumetria com dois trapézios que entrecruzam, formando em seu interior o foyer e caixa de palco, e sua entrada marcada por uma marquise.

Fig. 3. Teatro Armando Gonzaga, com painel de azulejos de autoria de Paulo Wernek e desenho do pano de projeto de Roberto Burle Marx.

Do mesmo arquiteto destaca-se o conjunto residencial do Pedregulho, do ano de 1946. Fizeram parte da equipe o arquiteto Francisco Bolonha, a engenheira Carmem Portinho, e o paisagista Roberto Burle Marx. O conjunto se destaca, além de sua solução arquitetônica, por comportar escola, ginásio esportivo, creche, centro de saúde e de comércio. Concepção ousada para o programa arquitetônico. Entre as obras de artes plásticas destacam-se os painéis de Portinari, Burle Marx e Anísio Medeiros. Projeto tem qualidades que o tornam um paradigma para as questões da moradia popular, reconhecido internacionalmente.

Fig. 4. Conjunto Residencial Pref. Mendes de Morais, ou do “Pedregulho”. Vista aérea, fachada curva prédio principal, prédio e equipamentos comunitários e andar intermediário.

O Conjunto Residencial Presidente Getúlio Vargas – ou de Guadalupe, que guarda alguma semelhançascom o conjunto do Pedregulho, situado no bairro de Guadalupe, na margem da Av. Brasil, projetado pelo arquiteto Flávio Marinho do Rego, teve uma proposta de urbanização revolucionária para época, contemplando-o com múltiplas áreas livres muito úteis até os dias atuais. O conjunto “alcançou uma taxa de ocupação de apenas 12%”, muito abaixo de outros conjuntos construídos no mesmo período. O bloco serpenteante tem o comprimento de 450m, semelhante ao que era proposto em blocos semelhantes na Europa.

Fig. 5. Vista aérea do conjunto de Guadalupe e fachada curva do prédio principal.

Outro programa arquitetônico com projetos também singulares é o do edifício para o ensino. Dois edifícios que chamam atenção são a Escola Municipal Grécia, projeto de Rosthand Farias, situada na Vila da Penha datado de 1957; e o da Escola Municipal Joseph Bloch, projeto de Francisco Bolonha, em Parada de Lucas, datada de 1960. A primeira escola destaca-se o painel em azulejos na fachada e a solução funcional preconizada pelo movimento moderno na arquitetura. A segunda, construída no interior do Parque Gráfico da Bloch Editores, foi projetada como um modelo experimental de escola, utilizando um sistema estrutural modular e fechamento com painéis pré-fabricados. Possui cobertura em shed, para facilitar iluminação e ventilação dos ambientes internos.

Fig. 6. Escola Municipal Grécia (esq.) e Escola Municipal Joseph Bloch (dir.).

São muitas as edificações com destinação industrial, fábricas, parques gráficos, concessionárias de veículos, das quais separamos os seguintes exemplos. Sede da empresa Sotreq, projeto dos arquitetos MMM Roberto, arquitetos irmãos e pioneiros do movimento modernista no Rio de Janeiro. Situada na Av. Brasil, datada de 1944. Tem uma solução em arcos para o salão de exposições e oficinas onde na cobertura utilizou arcos em estrutura metálica. O Centro de Atividades do SESC, Madureira, projeto de arquitetura do escritório de Luiz Eduardo Índio da Costa, datado de 1980. Ainda em Madureira, o Complexo Industrial Piraquê, composto de fábrica de massas e biscoitos, e seu centro administrativo. Projeto de Marcelo Frageli de 1974 e 1975 respectivamente. Por fim destaco o Edifício Sede do Jornal do Brasil, antigo parque gráfico e sede do jornal, projetado pelo escritório Mindlin Arquitetos Associados Ltda., e que abriga hoje, após reforma, o INTO – Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia.

Levanto a hipótese de que esta quantidade significativa de exemplos se deva ao fato de que muitos dos bairros suburbanos estavam em plena formação e desenvolvimento, considerando o período entre o fim do século 19 e início do século 20. Foram um campo disponível de terrenos para novas construções, destinados aos muitos novos programas arquitetônicos. Os subúrbios a norte e a sul eram propícios à implantação de conjuntos habitacionais destinados a todas as classes.

 

REFERÊNCIAS

BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social – Vol. 1: Cem anos de política pública no Brasil. Editora UNESP. São Paulo, 2012.

CZAJKOWSKI, Jorge. Guia da Arquitetura Moderna no Rio de Janeiro. Casa da Palavra e Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2000.

FERNANDES, Nelson da Nóbrega. O rapto ideológico da categoria subúrbio: Rio de Janeiro (1858-1945). Ed. Apicuri, Rio de Janeiro, 2011.

GOODWIN, Philip L. Brazil Builds. MOMA – The Museun of Modern Art. Nova York, 1943.

HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Editora Objetiva Ltda. Rio de Janeiro, 2009.

LINS, Antônio José Pedral Sampaio. Paisagem segregada: a ferrovia no subúrbio de Quino Bocaiúva, Rio de Janeiro. Dissertação mestrado defendida no Peourb da FAUUFRJ, Rio de Janeiro, 1998.

SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. Editora da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008 (1993).

SOARES, Maria Therezinha de Segadas. Fisionomia e estrutura de Rio de Janeiro. In: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Org.), Separata da Revista Brasileira de Estatística, ano 27, n. 3, p. 329-387. Rio de Janeiro. 1966.

ANTÔNIO JOSÉ PEDRAL SAMPAIO LINS é mestre e Doutor em Urbanismo pelo PROURB/UFRJ. Autor do livro “Cidade Híbrida: Contribuição para uma teoria das periferias urbanas no Brasil e co-autor de “150 anos de Subúrbio Carioca”