4 Patrimônios suburbanos - Vol. 1 Nº 4 / fevereiro 2024
Batuques, memórias e lugares: a construção do Centro de Memória Dra. Sebastiana Arruda do Renascença Clube
Ao tratarmos de sociabilidades e culturas suburbanas não podemos passar ao largo das histórias de associações pretas que, durante um longo tempo, foram invisibilizadas. Vamos relatar a experiência de abertura do Centro de Memória Dra. Sebastiana Arruda, do Renascença Clube, atualmente situado no bairro do Andaraí, mas que tem sua origem revolucionária como um local de resistência, no Méier, outro bairro suburbano, em 17 de fevereiro de 1951.
O clube é um reconhecido ponto de cultura carioca. Ao longo das décadas, foi palco de saraus, concursos de valorização da beleza negra, bailes black e, atualmente, lembrado por sua roda de samba mais famosa: o Samba do Trabalhador. Desde 01 de junho de 2022 é patrimônio imaterial da cidade do Rio de Janeiro e também é candidato a tornar-se patrimônio imaterial fluminense.
Um dos pré-requisitos fundamentais para receber a chancela de patrimônio imaterial do estado do Rio de Janeiro era construção de um espaço de memória. Um lugar capaz de produzir conhecimento e consciência patrimonial no lugar.
O nome escolhido para o espaço é carregado de simbolismos, pois a senhora Sebastiana Arruda foi uma militante de primeira hora do movimento negro e pessoa de enorme respeito dentro da comunidade frequentadora do grêmio. Destacou-se como advogada e procuradora em uma época em que não era comum ver mulheres negras em tão alto escalão profissional.
O Centro de Memória Dra. Sebastiana Arruda ‒ o CMSA ‒ foi fundado em 13 de maio de 2022. Encontrar lugar adequado para sua instalação, além de reunir e selecionar os elementos que iriam traçar a trajetória da instituição, foram as dificuldades iniciais. Em função da acanhada área física disponível para o empreendimento, a equipe coordenadora definiu que a exposição do acervo seria itinerante, composta basicamente por fotos e uma estante com honrarias do clube, para otimização do espaço.
O sr. Gilson, funcionário da secretaria do Renascença há mais de 30 anos, foi fundamental. Durante anos salvou documentos do lixo ou da deterioração. Seu cuidado garantiu boa parte da primeira leva de documentos que conseguimos. Aliás, a participação dos funcionários foi importante para a preservação e relevância do lugar após sua abertura. Em geral, os colaboradores estabeleceram uma relação de carinho com o ponto de memória e se identificaram com ele cuidando de sua manutenção.
A arrumação do local foi pensada de maneira que os visitantes entrassem em uma roda para a contação de uma história. Os cicerones seriam os antepassados do clube. Para tanto, utilizamos dois elementos simbólicos: uma homenagem dada pela diretoria do clube ao fundador da Velha Guarda, o senhor Jair Vaz, que foi emoldurada e colocada na entrada, e, ao fim, a imagem de São Jorge, padroeiro da família Arruda, representando a Sra. Sebastiana, fechando a exposição. Nas paredes, fotos que ilustravam cada uma das sete décadas de existência do clube.
Depois da visita guiada pelos seus coordenadores, que também compuseram a equipe técnica, a assinatura no livro de presença e a tradicional foto encerrava o rito.
Entre os meses de maio e dezembro de 2022, o local ficou aberto à comunidade em geral com plantões presenciais semanais. Em nove meses de existência, recebeu quinhentas pessoas de todas as idades, classes sociais, idades, etnias, nacionalidades. Serviu como uma ferramenta pedagógica para o clube, pois o CMSA tornou-se um lugar de pesquisa para estudantes de graduação e pós-graduação. Além de receber escolas dos ensinos fundamental e médio, universidades estaduais e federais.
Esse lugar de memória se colocou como referência da comunidade. A tradicional loja O Dragão das Cerâmicas doou ao espaço a imagem de São Jorge, o espaço fez uma exposição especial pelos 175 anos do bairro do Andaraí e os coordenadores deram entrevistas ao RJTV, à imprensa local e foram consultados na produção do minidocumentário do canal BIS sobre as rodas de samba do Rio de Janeiro.
Atualmente, quando aberto, o espaço não tem a mesma dinâmica de funcionamento de outrora. Enfim, é esse também o movimento da História que, assim como o som dos batuques, varia, se modifica fazendo os diferentes ritmos que compõem o movimento da vida.
REFERÊNCIAS:
GIACOMINI, Sonia Maria. A alma da festa. Família, etnicidade e projetos num clube social da Zona Norte do Rio de Janeiro. O Renascença Clube. Editora UFMG, Belo Horizonte; IUPERJ, Rio de Janeiro. 2006.
PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. A Cidade que dança: clubes e bailes negros no Rio de janeiro (1881 – 1933). 1ª ed. Editora UNICAMP, Campinas, São Paulo, 2021.