4 Patrimônios suburbanos - Vol. 1 Nº 4 / fevereiro 2024
Bem na foto
Em todo lugar tem sempre um edifício antigo, ali resistindo entre um ou outro mais contemporâneo. Pode ser uma casa, um armazém, aquele boteco de esquina, detalhe de alguma marquise… De qualquer forma, sempre um corpo estranho, meio deslocado dos demais, causando estranhamento, curiosidade ou, mais comumente, indiferença para o grande público. Apesar disso, se houver alguma memória afetiva envolvida, aí a coisa muda de figura… Quem não olha com saudosismo a fachada de um cinema de rua, ainda que descaracterizado e transformado em filial de igreja, por exemplo?
Aqui em Nova Iguaçu não é diferente. Caminhando pela região central é fácil se deparar com essa diversidade de expressões arquitetônicas cheias de memórias. Subindo pela “Rua dos Cartórios”, vindo da estação, já na esquina se esbarra com o que restou do monumental Cine Iguaçu. Ainda que mantendo a aparência externa, sofreu uma série de depredações na parte de dentro. Em vez das cadeiras e do público de outrora, o salão de exibição encontra-se tomado por automóveis, servindo de estacionamento. Aqui caberia a alegoria de um “drive-in macabro”: apesar dos carros, no lugar do filme, apenas silêncio e escuridão. Um espaço literalmente morto por dentro.
Mas pior do que resistir agonizante, é ser varrido da história, de modo abrupto. Mais adiante, na mesma rua, até há pouco tempo ainda era possível se observar a antiga casa onde viveu o político local Getúlio de Moura. O imóvel, de inspiração moderna, veio abaixo em setembro de 2014, novamente cedendo à pressão pela expansão dos espaços de estacionamento na área central da cidade. E não foi só essa residência. Antes, no mesmo ano, outra belíssima “casinha de vó” ‒ na verdade, pertencente a três irmãos ‒ já havia desaparecido de modo veloz. Um exemplar eclético de 1923, em excelente estado de conservação, hoje um edifício comercial. Sempre com o mesmo modus operandi: primeiro demole-se a parte interna, depois subtraem-se os telhados e, por fim, derrubam-se as fachadas. Ações geralmente praticadas em dias e horários com menor incidência de olhares curiosos.
Mas o roteiro está apenas começando. Subindo a rua, nos detemos no ponto entre a Igreja de Nossa Senhora de Fátima e São Jorge e o Hospital Iguaçu, agora seguindo para a Rua Alfredo Soares. Na esquina com a Doutor Paulo Fróes já é possível avistar outro ‒ adivinhem! ‒ estacionamento. Desta vez, a vítima foi uma belíssima casa (a de número 19, com implantação de chácara e platibandas encimadas por jarros), que proporcionava uma perspectiva imponente, de quem olhava da praça existente nos fundos da igreja. Mais uma imagem que ficará apenas na lembrança.
Descendo em direção à linha férrea, agora nos deslocamos pela Rua Bernardino de Melo, onde, um pouco antes da passarela caracol, cessamos a marcha por um instante. Nesse trecho existiam duas casas geminadas, também filiadas ao ecletismo, com varandas dotadas de pilares remetendo a templos gregos, ainda que extremamente delgados e delicados, em proporção harmônica com o conjunto. O destino das casinhas: ceder lugar para mais um edifício comercial espelhado, que poderia estar em qualquer outro lugar do mundo.
Finalizando o trágico passeio: na Avenida Abílio Augusto Távora, mais à frente, um antigo galpão em inspiração Art Déco, com motivos geometrizados marcantes na fachada principal, também veio abaixo para atender à sanha do mercado imobiliário. O edifício e seu conjunto, que eram uma reminiscência da época da citricultura na região ‒ constituindo uma “packing house”, espécie de posto de embalagem de laranjas ‒, também veio a sucumbir.
Essa atividade econômica vigorou na cidade entre os anos 1920 e 1940, o que talvez justifique a existência dos edifícios mencionados até agora (com exceção da casa de Getúlio de Moura). Eles são expressão da mudança dos aspectos urbanos, proporcionada pela prosperidade de alguns membros da sociedade local, nesse período em que Nova Iguaçu era chamada de “Cidade Perfume”.
Paro por um instante, para fazer uma reflexão. Do jeito que a coisa vai, onde vamos parar? Em um mundo de recursos limitados, não seria mais racional aproveitar o estoque construído, em vez de destruir o existente? Também seria uma excelente oportunidade para ressignificar o passado, enriquecer a história com a participação de outros atores, conceber novos usos e funções sociais mais inclusivas. Se os edifícios antigos representassem fotografias de outros tempos coladas na malha urbana, estaria o futuro de Nova Iguaçu e de outras cidades relegado a um imenso “álbum mutilado”? Em vez disso poderíamos simplesmente aproveitar essas “antigas fotografias” e fazer novas colagens, compreendendo que na cidade nem sempre é imperativo criar a partir do zero, mas adaptar o existente, resultando em efeito satisfatório ou mesmo superior. Ficaria melhor na foto!