4 Patrimônios suburbanos - Vol. 1 Nº 4 / fevereiro 2024
Cine Guaraci: O que poderia ter sido
Localizado no centro do bairro de Rocha Miranda, zona norte da cidade do Rio de Janeiro, está o antigo Cinema Guaraci. Projetado e construído por Archangelo Zattera, a mando de Alcides Rocha Miranda – parte integrante da família que promoveu o loteamento do bairro no início do século passado – foi inaugurado em 1953. Durante seus anos de funcionamento, o cinema proporcionou cultura com a disseminação cinematográfica, por meio da exibição de inúmeros filmes de sucesso internacional e nacional e através da sua arquitetura, detentora de valor histórico.
O interior do Cine Guaraci emanava a beleza e o luxo da época: com escadas revestidas em mármore carrara e corrimões de bronze, espelhos em alto relevo decoravam o salão de espera fascinando o público que o frequentava. A grande sala de projeção continha aproximadamente 1.300 (mil e trezentos) lugares, dispondo de um mezanino. A estrutura dentro desta sala era feita por colunas gregas, tornando o cinema um dos mais refinados da cidade.
No ano de 1991 o cinema foi desativado e permaneceu assim por volta de 30 (trinta) anos e, enquanto o seu edifício se degradava, o Cine Guaraci foi alvo de projetos para reaver o seu funcionamento. Diante de tanto fator histórico e sendo gerador de memórias para a população, o Cine Guaraci tornou-se famoso diante dos moradores da região. Movimentos buscando a retomada do uso cultural ao edifício e visando proteger sua história ocorreram enquanto o edifício permanecera abandonado – e até mesmo após o início das obras que descaracterizaram o uso cultural do local. Entre essas manifestações, podemos citar o “Movimento Pró-Cine Guaraci” e o “Cine Guaraci Vive”.
Mas, o que poderia ter se tornado o Cine Guaraci, caso sua função original tivesse sido retomada? Eu estudei as possibilidades em meu trabalho final de graduação durante a faculdade de Arquitetura e Urbanismo e concluí que reviver o edifício com sua função original – cultural – agregaria de forma positiva a vida dos inúmeros moradores do subúrbio da cidade do Rio de Janeiro. Propus uma requalificação do local ‒ requalificação na arquitetura; além de recuperar a habitabilidade de um edifício degradado fisicamente e inutilizado, ela também garante a recuperação no ambiente urbano ao qual está inserido o objeto requalificado, a partir do momento em que transforma um vazio urbano em um espaço útil para a população. Sendo este objeto de valor histórico, como no caso do Cine Guaraci, a sua devolução para os cidadãos agrega um valor cultural e social quando ativa na população uma memória do lugar e a conecta com a sua ancestralidade.
Entre os anos 50 e 80, os moradores de Rocha Miranda e de bairros vizinhos desfrutaram da grande sala de cinema pertencente ao Cine Guaraci, mas desde o seu fechamento essa região sofre um déficit em relação a equipamentos culturais. Este problema se estende aos bairros vizinhos de Honório Gurgel, Turiaçu, Coelho Neto, Colégio e Bento Ribeiro, também deficientes no âmbito cultural. A população residente dessa região precisa se deslocar a outros bairros para desfrutar de um programa cultural. Os locais mais próximos são os cinemas de shopping, localizados no bairro de Madureira e Guadalupe. Mas cinemas de shopping não são equipamentos culturais de grande porte, sendo assim não acomodam uma ampla variedade de programas e eventos culturais.
O prédio foi tombado em 2006, mas destombado alguns anos mais tarde, com o intuito de se tornar um imóvel comercial e totalmente descaracterizado da sua história ‒ o que de fato ocorreu em 2021, após uma loja de departamentos alugar o local e reformar o edifício adequando-o à função de loja. A transformação do Cine Guaraci em um edifício de uso comercial é inconcebível, após olharmos a história e percebermos sua importância na memória da população residente no bairro ‒ esta que carece de equipamentos culturais ao mesmo tempo em que o centro comercial do bairro parece estar cada vez mais inchado. A população do subúrbio carioca merecia saber o que o Cine Guaraci se tornaria ao reabrir como um equipamento cultural de qualidade servindo aos moradores do jeito que Archangelo Zattera projetou e imaginou na década de 1950.