Revista Novos Dialogos Suburbanos Revista Novos Dialogos Suburbanos

Vol. 1, Nº 1/ 2023

1 Cultura e sociabilidades - Vol. 1 Nº 1/ agosto 2023

Editorial

Editorial: Cultura e sociabilidades suburbanas

Alyne Reis, Rafael Mattoso e Sandra de Sá Carneiro

Em meados de 2018, um grupo multidisciplinar de pesquisadores se aproximou para trocar experiências e ampliar o alcance de suas pesquisas suburbanas. No ano seguinte, através do patrocínio do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro, a ideia se materializou através de reuniões, debates públicos, eventos culturais e seminários, culminando na publicação do livro “Diálogos suburbanos: identidades e lugares na construção da cidade”

O sucesso da iniciativa coletiva nos trouxe, após cinco anos, a uma nova etapa deste desafio de reflexão e divulgação dos subúrbios. Assim, chegamos agora á primeira edição da Revista eletrônica “Novos Diálogos Suburbanos”. Em nosso número inicial priorizamos artigos que dialogam com temas pertinentes à cultura e sociabilidades, convergindo com o cotidiano das experiências de lazer, de vizinhança, das festas suburbanas e periféricas da cidade. Contamos com a contribuição de diferentes autores, de distintas formações acadêmicas, que nos brindaram com textos que tangenciam a temática central e foram selecionados com o propósito de confrontar olhares plurais e relacionar diversas situações de sociabilidade.

Existem diferentes formas, modalidades ou estilos de sociabilidade, porém, em sua maioria, elas se caracterizam pela produção de sentimentos e laços de proximidade que favorecem a construção de um sentimento de pertencimento. Existem igualmente, diferentes tipos de espaços sociais (ruas, praças, clubes, escolas, botequins, vizinhanças, etc.) onde essas interações ocorrem, onde os indivíduos convivem.  Esses espaços são locais de trocas e conexões. Tal como aponta Milton Santos, o espaço geográfico é sinônimo de território usado, este é tanto o resultado do processo histórico quanto a base material e social das novas ações humanas ao longo do tempo.

Compreender essas sociabilidades, principalmente nos espaços públicos, é essencial para uma visão mais ampla da vida urbana e das relações sociais que se desenvolvem nesse contexto e, assim, entender melhor como a cidade é construída e produzida, na medida em que estamos tratando de espaços que são locais de encontros, interações e trocas entre seus habitantes, onde as dinâmicas sociais se manifestam de maneiras diversas.

O eixo Cultura e Sociabilidades Suburbanas teve como propósito angariar diferentes tipos de narrativas existentes que correlacionam o espaço e aqueles que dele se apropriam. A partir da influência teórica de Milton Santos, reafirmamos que a essência do espaço é social. Consideramos imprescindível a análise das vivências e experiências que configuram os territórios suburbanos como um aporte para que se mantenham vivas práticas culturais e sociais que estão presentes nesses territórios.

Olhar para os espaços públicos nos permite verificar melhor estes cenários, captar a atmosfera onde os fenômenos e as experiências sociais se estabelecem. É nesses lugares que as identidades e alteridades individuais e coletivas são construídas e expressas. Os estudos das sociabilidades possibilitam analisar as interações cotidianas, os padrões de comportamento, as redes sociais e as práticas de convívio comunitário. Cabe ressaltar ainda que essas interações podem revelar distintas relações de poder, hierarquias sociais, formas de resistência, relações de conflitos e as estratégias de negociação presentes nas cidades. A reflexão sobre as sociabilidades nos permite ainda entender como os espaços públicos são apropriados e utilizados pelos diferentes grupos sociais, revelando as tensões e conflitos que podem surgir nesses locais.  Também é relevante para a compreensão dos processos de inclusão e exclusão social na cidade. Ao observar como as interações ocorrem e quais grupos têm acesso aos espaços públicos, podemos identificar desigualdades sociais, discriminação e marginalização. Essa perspectiva nos ajuda a entender como os espaços públicos podem ser usados como ferramentas de empoderamento ou como instrumentos de exclusão e controle.

Nesse sentido, refletimos sobre a relação de pertencimento desses sujeitos com o espaço, que são descritas a partir dos textos e que se configuram como trabalhos valiosos não só para os subúrbios, mas para os estudos urbanos brasileiros. Ainda hoje temos a existência de lacunas que compreendam a organização do território a partir da Cultura e com isso, a ineficácia de políticas culturais que atendam a determinados territórios, fazendo com que se tornem invisíveis tanto para a sociedade, onde muitos não conhecem determinadas práticas culturais que são tão únicas, como para fins de receber subsídios para valorização desses espaços.  Considerando assim a  necessidade de repensar políticas que deem conta dessas especificidades, ao pensar nos bate-bolas, nos quintais dos sambas, as festividades e o uso dos vazios urbanos, contrapondo a lógica do urbanismo clássico e a ideia de “sem uso”, quando na verdade, muitos desses “espaço vazios” dos subúrbios se preenchem de sociabilidade, como o baile charme embaixo do Viaduto Negrão de Lima em Madureira, o Jongo… E até mesmo os camelôs que ocupam  as calçadas dos diversos subúrbios cariocas, assim como as cadeiras que também a ocupam, traçando esta relação de pertencimento entre as ruas, casas, calçadas, pessoas e culturas.

São estas iniciativas que corroboram para instrumentalizar ações culturais, bem como a valorização das relações sociais presentes nos subúrbios, por meio das escritas e relatos dos autores e autoras.  O primeiro texto de Frank Davies e Roberta Guimarães aborda as alegorias suburbanas, que problematiza a categoria subúrbio. Em seguida, temos textos que tratam da sociabilidade da rua (Fabio Resende), das festas de Cosme e Damião (Flavia Figueiredo), história de personagens emblemáticos (Juliana Bonomo e Monica Cunha), futebol como tradição suburbana (Lívia Vasconcelos Reis), Campo Grande do ponto de vista da arte e da cultura (Nilson Cruz). Temos ainda uma interessante apresentação através de imagens produzidas por Evandro von Sydow, de uma das manifestações estéticas decorativas mais expressivas da “alma suburbana”: os famosos pisos compostos por caquinhos de cerâmicas que formam mosaicos e que representam a união e solidariedade dos moradores, que com suas imaginações criativas souberam imaginar outros propósitos para um material que seria descartado. A partir da reciclagem dos restos de cerâmica que foram danificados no processo de produção industrial, criou-se uma técnica de revestimento, onde os caquinhos vão sendo arrumados de maneira a formar uma espécie de mosaico, que pouco a pouco virou um padrão estético muito valorizado nos subúrbios do Rio de Janeiro.

Fechando a revista temos uma resenha do livro Um grande Méier de Histórias, recentemente lançado, que reforça o conjunto de publicações sobre os subúrbios cariocas, escrita por Roberta Mathias.

Boa leitura!

Alyne Reis, Rafael Mattoso e Sandra de Sá Carneiro