2 Espacialidades suburbanas - Vol. 1 Nº2/ outubro 2023
Mais que Engenhos: Histórias
Em outubro de 2019 ocorreu o primeiro Viradão Cultural Suburbano, evento que contou com atrações em diversos bairros, indo das artes às produções acadêmicas. E foi numa mesa sobre História dos Subúrbios, ocorrida no Jongo da Serrinha, que alguns dos membros do Coletivo Engenhos de Histórias se conheceram.
Ao perceberem objetivos similares e proximidade dos bairros de origem, Flávio Mota e Gabriel Maraschin tiveram a ideia de unir forças e construir um coletivo que pensaria a história de bairros da zona norte carioca, mais especificamente o Grande Méier (área de abrangência dos lugares onde mais conviveram). Após a decisão, convidaram outros historiadores que também participaram do evento, como Rafael Mattoso e eu mesma, Rachel Lima.
Meses depois, uma primeira reunião se estabeleceu na cafeteria do Imperator, com presença de alguns que também comporiam o grupo: Felipe Migliani, Marcio Saraiva, Marcelo Valle, Diná Miranda. Nos últimos anos também aderiram: Joyce Costa e Mônica Araújo.
Inicialmente, por ser formado em sua maioria por historiadores, o principal objetivo do coletivo era o histórico, combatendo a desinformação e a desonestidade intelectual. Para isto democratizaríamos os resultados de nossas próprias pesquisas, mostrando a riqueza histórica e cultural não apenas do Méier, mas daqueles 15 bairros ou mais que fazem parte ou dialogam com a região. E este era um outro objetivo importante: repensar o Grande Méier, além do Méier, sem desconsiderar toda a importância desta centralidade.O nome “Engenhos de Histórias” foi escolhido pelo grupo por levarem em consideração os grandes engenhos existentes na localidade nos séculos anteriores e que por atuação de seus proprietários, acabaram dando origem às ruas e bairros do Grande Méier, habitados pelos componentes do coletivo. A engrenagem do engenho ganha significado também no período histórico republicano, quando as fábricas adentram a espacialidade suburbana trazendo a categoria do operariado para esta história. Salienta-se, porém, a influência cultural que etnias africanas e indígenas tiveram neste mesmo espaço. Presença esta que, mesmo tendo sofrido apagamento pela cultura europeia, resistiu e nos chegou à atualidade dos nomes de ruas, espaços e traços culturais. Deste modo, mais que engenhos pretende-se destacar as diversas histórias existentes no mesmo espaço.
Em 2020, com o início da pandemia de Covid 19, ficaríamos reclusos, sem poder iniciar nossas atividades como almejamos. Deste modo, colocamos as mãos na massa de forma virtual, criando nossas redes sociais e compartilhando informações não só históricas da região, mas trazendo também questões culturais, cobranças de melhorias e políticas públicas para nosso entorno, estabelecendo parcerias com outros coletivos suburbanos. Passamos a tratar a espacialidade do grande Méier não só como objeto de pesquisa, mas também de constante aprendizado e diálogo, seja na sabedoria popular, seja no movimento das ruas, extrapolando assim o campo histórico. Esta ampliação da visão só foi possível com a presença de membros de outras áreas do conhecimento das ciências do espírito.
Ao longo destes pouco mais de 3 anos, desenvolvemos atividades nas mídias, participamos de mesas de conversa como coletivo ou o representando em nossas atuações individuais. Em 2022 conseguimos voltar ao presencial e dialogar melhor com aquele público que passou a nos seguir, acompanhar e debater com nosso trabalho. Foi assim que planejamos publicações, sendo a primeira uma zine sobre o grande poeta, o Cisne Negro, Cruz e Sousa (2021) e depois o primeiro livro de nosso selo, “Um grande Méier de Histórias” organizado por mim e pelo Rafael Mattoso.
O livro teve como objetivo criar uma fonte para a história e memória do grande Méier, contendo textos dos organizadores e de outros pesquisadores e moradores que vivenciaram o grande Méier. Assim, são descritas memórias em perspectivas variadas, da música ao patrimônio local.
Como resultado, foi possível ampliar o diálogo com a população local, assim como perceber na prática que estimular a identidade suburbana faz a construção do sentimento de pertencimento a este nosso lugar da cidade. E ao nos sentirmos verdadeiros suburbanos dignos de sermos representados, ao conhecermos a formação histórica e cultural de nossa espacialidade, é que passamos a conscientizar a necessidade de ter nosso direito à cidade garantido.
É com esta intenção que o Coletivo Engenhos de Histórias se apresenta. Utilizar a contribuição de áreas como a História, a Arquitetura, o Jornalismo e a Cultura sobre este pedaço da cidade para colaborar para uma cidade cada vez mais democrática, plural e que constrói pontes e alternativas diante de um contexto que, por vezes, causa pessimismo e assusta. Algo precisa ser feito. E assim tentamos dar nossa contribuição.
Atualmente formam o coletivo: Diná Miranda Barbosa, Flavio Braga Mota, Felipe Migliani, Gabriel de Azevedo Maraschin, Joyce Santos Costa, Marcelo Valle, Marcio Sales Saraiva, Mônica Araújo, Rachel Gomes de Lima e Rafael Mattoso.